Dói, dói tanto que parece uma lâmina quente atravessando a carne.
O ciúme, com seus mil tentáculos, rouba a clareza, a lucidez, a inteligência. Você pode ser doutor em filosofia. Pouco adianta. Esse sentir dilacerante nada tem a ver com a razão. Ele se instala dentro da alma sem pedir licença, vira tudo de cabeça para baixo e se torna dono absoluto das suas ações. Amigos se mobilizarão para mostrar o absurdo do que está acontecendo. Pura perda de tempo.
Por mais que um resquício de sanidade ainda tente abrir caminho dentro de você, ele será rapidamente derrotado.
Sim, as pessoas podem matar por ciúmes, pois ele flerta com a loucura. Não é preciso ter folheado as páginas de
Em Busca do Tempo Perdido, de Proust, o mais alentado estudo sobre o tema, para saber disso.
Argumentos não valem contra um poder que se alimenta da destruição. Conheci pessoas que perderam centros vitais só porque uma suspeita de traição pairava sobre a criatura amada.
O ciúme nasce com a força maligna de um câncer, contaminando todas as horas. Alguns, ainda protegidos pelo desejo de se salvarem, buscam na terapia uma possibilidade de tomar consciência do absurdo que vivenciam. Porém, no mais das vezes, ele vai embora quando quer, à revelia de nossa vontade.
Querer alguém com a voracidade de um lobo faminto. Não conseguir mais comer direito, pensar incansavelmente no objeto da nossa paixão, não conseguir sequer trabalhar, quase não dormir mais à noite. Tal é o estado em que se encontram aqueles que contraíram essa espécie de vírus que cresce, cresce e domina tudo. Só quem já sentiu sabe: é o corpo que padece, que se retorce, que inaugura a tristeza nos olhos e paralisa os membros. O ciumento tem certeza absoluta que pode morrer disso de uma hora para outra. A respiração se torna mais curta, o peito arfa, as mãos se crispam.
É o fim encontrando seu objeto, o aniquilamento dando bom-dia à sua vítima.
Esqueça a lógica, a prudência, a palavra que equilibra e aquieta. O ciúme brigará com todas elas. Quando chega a cura para essa enfermidade, não será incomum nos perguntarmos: “Como eu posso ter sido tão insano?” Percepção tardia, que pertence aos convalescentes, não àqueles que continuam caminhando no inferno. Para esses, é normal ter alucinações, imaginando que a qualquer hora podem ser trocados por outro. O inimigo mortal. Vigiam, na esperança vã de que seu radar emocional acuse qualquer indício que os autorize a atacar. Já não são mais seres civilizados. Retrocedem.
É o animal ainda não polido pela cultura e pela convivência saudável que passa a ocupar todos os espaços.
Já vi homens e mulheres padecendo dessa dor. E ambos agem rigorosamente da mesma forma. Os instrumentos de que se valem podem ser diferentes, mas não o estado alucinatório em que mergulham. Talvez eles usem com mais frequência a força física, agredindo, em muitos casos, enquanto elas fazem manobras secretas para tirar do jogo quem as está impedindo de viver o seu amor.
Não existem teóricos do ciúme. Só se pode falar dele já o tendo experimentado. Sinto calafrios ao pensar que quase me especializei nisso. Hoje sou como um desses ex-viciados que estão bem, mas não podem se aproximar da droga novamente. As relações mais duradouras, que atravessam os anos, costumam aplacar em nós essa doença, pois outro nome não se pode dar.
Tenhamos compaixão de todos os ciumentos da terra. Eles padecem dos piores suplícios que se possa imaginar. Sabem que a lâmina é mortal, mas mesmo assim continuam enterrando-a cada vez mais fundo em seu próprio peito.
Texto de Gilmar Marcílio, extraído DAQUI.