quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Apenas um canto

Que eu sinta meus pés pulsarem com a terra.
Que meus braços se ergam numa invocação.
Que sopre em minhas mãos uma suave brisa.
Que a água da chuva purifique meu corpo.
Que eu ouça o farfalhar das folhas, ainda que distantes.
Que o perfume das flores invada meu quarto.
Que o calor do fogo sopre na chama da vela.
Que o som de um sino sacramente o silêncio.
Que eu convide o Sol em minha janela todas as manhãs.
Que Ele venha.
Que eu saúde a Lua todas as noites.
Que Ela apareça por entre as nuvens.
Que eu dance em agradecimento.
Que eu cante um canto sagrado.
Que eu veja a movimentação dos pequenos.
Que eu os saúde e agradeça.
Que eu beije a ponta de uma estrela e abrace uma árvore.
Que eu olhe para o céu e deite sobre a terra como criança.
Que eu seja o que sou.
Que eu me olhe no espelho sorrindo.
Que eu morra mil Luas e renasça mil Vidas.
Que eu conheça escuridão e luz.
Que meu caminho tenha encruzilhadas.
Que eu escolha.
Que eu escolha todos os dias.
Que eu escolha, todos os dias, saudar os deuses.
Que eu os saúde:Dentro do círculo e fora dele.
Em meu altar.
Nas manhãs, nas tardes, noites e madrugadas.
Nos solstícios e equinócios.
Em minha cama, em minhas panelas.
Com vinho e com meu sangue.
Com caldeirão e espada.
De corpo e alma.

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as palavras me acham."
Manoel de Barros

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